sábado, 3 de abril de 2021

Agnaldo Timóteo usa telefone sem fio no seu primeiro discurso na Câmara

 Jornal do Brasil, 04/03/1983

Agnaldo Timóteo deixou os deputados perplexos ao tentar falar com sua mãe pelo telefone no seu primeiro discurso na Câmara.

Agnaldo usa telefone sem fio ao discursar na Câmara

Fernando César Mesquita

Brasília, - “Alo. Mamãe? É o Agnaldo. Estou telefonando, mamãe, para pedir a benção e dizer...

- Nobre deputado, a presidência dessa casa não tolera brincadeiras na sessão – o presidente (Flavio Marcilio)

- Não é uma brincadeira – Agnaldo Timóteo

- É uma brincadeira. Esse telefone não funciona. Vossa Excelência está representando – o presidente.

Plenário quase lotado e em silencio, populares nas galerias, funcionários espalhados pelos corredores e gabinetes ao lado dos alto-falantes, fotógrafos e cinegrafistas acionando máquinas e luzes em sequência rápida. Na tribuna, telefone sem fio amarelo no ouvido, terno azul-claro, camisa branca, gravata e sapatos pretos, Agnaldo Timóteo, mineiro de Caratinga, fazia seu primeiro discurso para dar o recado aos 503 mil eleitores do Rio de Janeiro que escolheram seu representante pelo PDT na Câmara dos Deputados.

Quem pensou, como o presidente Flavio Marcilio, pelo inusitado do comportamento do orador, que Agnaldo estivesse brincando ou representando, enganou-se. Quando subiu a tribuna, logo após o presidente dar-lhe a palavra, e anunciou que antes de contar a sua vida ia falar com sua mãe, os deputados sorriam. “Não sorriam por favor. Isso não é uma brincadeira. É um dos momentos mais sérios dessa casa”.

Grande momento

Agnaldo acatou a advertência de Marcilio, mas comentou: “Parece que aqui não se tem um respeito muito grande pelas mães. Mas quero dizer, meus nobres colegas e companheiros, que este momento é da maior importância, não para o Agnaldo Timóteo, mas para as pessoas simples como Agnaldo Timóteo”.

A partir daí, passou a contar a vida do menino pobre Agnaldo Timóteo, que trabalhou desde os nove anos, “vendeu laranjas, mangas, engraxou sapatos, limpou automóveis” e aos 13 anos já era torneiro mecânico do DNER, começou a mostrar que falava sério. Criticou a lei que impede as crianças trabalharem antes dos 14 anos e o custo da educação e do material escolar e recordou que “seu pai ganhava uma miséria – era ferreiro do DNER – como hoje os operários ganham uma miséria”.

Ao narrar sua carreira artística, condenou as discriminações do início e as atuais: “Afinal, preto do cabelo duro, malvestido, não é como os menininhos bonitinhos. Tenho encontrado grande dificuldade em relação as exigências dos setores mais elitistas sobre a música que eu canto”.

À proporção que ia discursando, Agnaldo ia adquirindo desenvoltura na tribuna e uns poucos deputados que ainda conversavam no final do plenário passaram a prestar atenção no que ele dizia. “Cometi um grande engano em 1964, não sei se foi por ignorância, desconhecimento político ou necessidade de participar de alguma coisa. Arrependo-me profundamente, porque este movimento tomou caminhos jamais imaginados por todos nós. Nunca se corrompeu tanto neste país. Nunca se administrou tão mal as riquezas desse país. Mas tenho certeza de que, em 1982, eu penitenciei definitivamente”.

Com as luzes do plenário reduzidas aos refletores da televisão (chovia muito na hora e os relâmpagos afetaram o fornecimento de energia elétrica da área do Congresso, fazendo funcionar um gerador de emergência da Casa), declarou: “A longa espera que tivemos de quase 19 anos para voltarmos a eleger nossos representantes, pelo menos em parte – já votamos até para governador – pode ser que daqui a quatro anos estejamos elegendo, por voto direto, o nosso Presidente da República, e ai o ilustre Deputado Paulo Maluf não teria nenhuma chance”. Palmas no plenário.

Analisou, a seguir, a abertura política – “parece até que foi uma maneira de eles dividirem as responsabilidades” – e contou por que se candidatou a deputado federal: “Foi em resposta ao jornalista Artur da Távola, que escreveu uma notícia dizendo que Brizola estava morto e havia se esquecido de deitar”. Lembrou ao plenário como tinha feito a campanha.

Comentou mais adiante “A preocupação do Ministro Délio Jardim de Matos, que chamou Juruna de aculturado exótico e a mim de seresteiro, esquecendo-se que Juruna é hoje o mais autêntico representante do povo brasileiro”. Palmas. “Sinceramente, me senti ofendido porque não sou um seresteiro, eu sou um cantor romântico”, afirmou.

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