Jornal do Brasil, 04/03/1983
Agnaldo Timóteo deixou os deputados perplexos ao tentar
falar com sua mãe pelo telefone no seu primeiro discurso na Câmara.
Agnaldo usa telefone sem fio ao discursar na Câmara
Fernando César Mesquita
Brasília, - “Alo. Mamãe? É o Agnaldo. Estou telefonando,
mamãe, para pedir a benção e dizer...
- Nobre deputado, a presidência dessa casa não tolera brincadeiras
na sessão – o presidente (Flavio Marcilio)
- Não é uma brincadeira – Agnaldo Timóteo
- É uma brincadeira. Esse telefone não funciona. Vossa Excelência
está representando – o presidente.
Plenário quase lotado e em silencio, populares nas galerias,
funcionários espalhados pelos corredores e gabinetes ao lado dos alto-falantes,
fotógrafos e cinegrafistas acionando máquinas e luzes em sequência rápida. Na
tribuna, telefone sem fio amarelo no ouvido, terno azul-claro, camisa branca,
gravata e sapatos pretos, Agnaldo Timóteo, mineiro de Caratinga, fazia seu
primeiro discurso para dar o recado aos 503 mil eleitores do Rio de Janeiro que
escolheram seu representante pelo PDT na Câmara dos Deputados.
Quem pensou, como o presidente Flavio Marcilio, pelo
inusitado do comportamento do orador, que Agnaldo estivesse brincando ou
representando, enganou-se. Quando subiu a tribuna, logo após o presidente
dar-lhe a palavra, e anunciou que antes de contar a sua vida ia falar com sua
mãe, os deputados sorriam. “Não sorriam por favor. Isso não é uma brincadeira.
É um dos momentos mais sérios dessa casa”.
Grande momento
Agnaldo acatou a advertência de Marcilio, mas comentou: “Parece
que aqui não se tem um respeito muito grande pelas mães. Mas quero dizer, meus
nobres colegas e companheiros, que este momento é da maior importância, não
para o Agnaldo Timóteo, mas para as pessoas simples como Agnaldo Timóteo”.
A partir daí, passou a contar a vida do menino pobre Agnaldo
Timóteo, que trabalhou desde os nove anos, “vendeu laranjas, mangas, engraxou
sapatos, limpou automóveis” e aos 13 anos já era torneiro mecânico do DNER,
começou a mostrar que falava sério. Criticou a lei que impede as crianças
trabalharem antes dos 14 anos e o custo da educação e do material escolar e
recordou que “seu pai ganhava uma miséria – era ferreiro do DNER – como hoje os
operários ganham uma miséria”.
Ao narrar sua carreira artística, condenou as discriminações
do início e as atuais: “Afinal, preto do cabelo duro, malvestido, não é como os
menininhos bonitinhos. Tenho encontrado grande dificuldade em relação as exigências
dos setores mais elitistas sobre a música que eu canto”.
À proporção que ia discursando, Agnaldo ia adquirindo
desenvoltura na tribuna e uns poucos deputados que ainda conversavam no final
do plenário passaram a prestar atenção no que ele dizia. “Cometi um grande
engano em 1964, não sei se foi por ignorância, desconhecimento político ou
necessidade de participar de alguma coisa. Arrependo-me profundamente, porque este
movimento tomou caminhos jamais imaginados por todos nós. Nunca se corrompeu
tanto neste país. Nunca se administrou tão mal as riquezas desse país. Mas
tenho certeza de que, em 1982, eu penitenciei definitivamente”.
Com as luzes do plenário reduzidas aos refletores da
televisão (chovia muito na hora e os relâmpagos afetaram o fornecimento de
energia elétrica da área do Congresso, fazendo funcionar um gerador de emergência
da Casa), declarou: “A longa espera que tivemos de quase 19 anos para voltarmos
a eleger nossos representantes, pelo menos em parte – já votamos até para
governador – pode ser que daqui a quatro anos estejamos elegendo, por voto
direto, o nosso Presidente da República, e ai o ilustre Deputado Paulo Maluf
não teria nenhuma chance”. Palmas no plenário.
Analisou, a seguir, a abertura política – “parece até que
foi uma maneira de eles dividirem as responsabilidades” – e contou por que se
candidatou a deputado federal: “Foi em resposta ao jornalista Artur da Távola,
que escreveu uma notícia dizendo que Brizola estava morto e havia se esquecido
de deitar”. Lembrou ao plenário como tinha feito a campanha.
Comentou mais adiante “A preocupação do Ministro Délio
Jardim de Matos, que chamou Juruna de aculturado exótico e a mim de seresteiro,
esquecendo-se que Juruna é hoje o mais autêntico representante do povo
brasileiro”. Palmas. “Sinceramente, me senti ofendido porque não sou um
seresteiro, eu sou um cantor romântico”, afirmou.
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