Vivemos o que tem sido considerado como uma sindemia,
englobando tanto os impactos da crise sanitária que afetam todas as dimensões
da vida em sociedade como também os determinantes da Insegurança Alimentar (IA)
situados no aumento da pobreza em paralelo à maior concentração de renda e
riqueza entre os segmentos sociais mais ricos.
O Brasil tornou-se o epicentro da pandemia mundial, com
falência do sistema de saúde e sem política econômica e social de mitigação.
A insuficiência de renda associada à precarização das
relações de trabalho e ao aumento do desemprego; a degradação das condições de
moradia e de infraestrutura sanitária, entre outros, intensificaram a
disseminação da pandemia nos grupos populacionais mais vulnerabilizados.
Recursos elementares para sobreviver às restrições impostas
pela pandemia não estão disponíveis para uma grande parcela da população
brasileira.
A Segurança Alimentar(SA) que voltou para os níveis de 2004 (cerca de
60% dos domicílios), com o aumento correspondente da Insegurança Alimentar(IA),
sobretudo, a IA grave, que indica ocorrência de fome. Vale dizer, a última
pesquisa nacional já indicou o agravamento da situação de IA no Brasil,
anterior ao período pandêmico da Covid-19.
Do total de 211,7 milhões de pessoas, 116,8 milhões convivem
com algum grau de Insegurança Alimentar (leve, moderada ou grave).
Destes, 43,4 milhões não contam com alimentos em quantidade
suficiente para atender suas necessidades (IA moderada ou grave).
E 19 milhões de brasileiros(as), convivem e enfrentam a
fome.
Relação da IA na pandemia da Covid-19 com emprego e renda
Como é do conhecimento geral, o distanciamento social,
o trabalho remoto sempre que possível e mesmo o fechamento parcial ou
total de estabelecimentos comerciais e industriais impostos pela
pandemia acarretaram queda na atividade econômica.
Sabe-se que os impactos dessas medidas, inegavelmente
necessárias, são diferenciados em uma sociedade com o grau de
desigualdade como a brasileira. É fato notório que a perda de emprego de
milhares de pessoas e o endividamento das famílias são as duas
condições que mais impactam o acesso aos alimentos durante a pandemia. Nas
duas situações, a IA grave atingiu seu patamar mais alto, 19,8%. Em
todas as condições analisadas, a Insuficiência Alimentar quantitativa expressa
pela IA moderada tem frequência relativa superior a 17% dos lares
brasileiros.
No entanto, a principal medida compensatória adotada, o
auxílio emergencial aprovado pelo Congresso Nacional para reduzir os efeitos da
crise sanitária sobre o emprego e a renda, tem sido insuficiente para superar a
condição de IA das famílias.
A crise econômica, que já vinha revertendo o sucesso alcançado até 2013 na garantia do direito humano à alimentação adequada, ganhou impulso negativo maior em 2020 com o advento da pandemia, apesar da permanência de alguns programas sociais como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, e a criação do auxílio emergencial com o objetivo de mitigar os efeitos da pandemia sobre o emprego e renda. A comparação dos níveis de SA/IA mostra a gravidade da superposição da crise econômica e crise sanitária em todo o território nacional, sem uma adequada resposta advinda da política pública.
Os dados mostram que tivemos um retrocesso de 15 anos em
apenas cinco; retrocesso ainda mais acentuado nos últimos dois anos. É
necessário enfatizar que, no período entre 2013 e 2018, a IA grave, portanto, a
ocorrência de fome, teve um aumento de 8,0% ao ano. Esse aumento é acelerado e
passa a ser de 27,6% ao ano entre 2018 e 2020.
Significa que eram 10,3 milhões de pessoas em IA grave em 2018,
passando para 19,1 milhões, em 2020. Portanto, neste período, foram cerca de
nove milhões de brasileiros(as) a mais que passaram a ter, no seu cotidiano, a
experiência da fome.
O imperativo da concessão de auxílio emergencial com valor
significativo à população mais vulnerável ajuda a conter o espraiamento de uma
crise sindêmica, porém, é igualmente urgente a recomposição do tecido social
por meio do debate democrático, informações fundamentadas e políticas públicas
orientadas pelo princípio humanitário de inclusão e equidade.
Tendo o Brasil se convertido no epicentro mundial da
pandemia da Covid-19, com mais de 400 mil óbitos, atraso na vacinação e caos na
assistência à saúde, teme-se que a previsão de agravamento encontre os grupos
sociais mais vulnerabilizados completamente desamparados, e que a concessão de
auxílio emergencial de baixo valor e duração limitada resulte em mais fome e
desespero.
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