quarta-feira, 18 de agosto de 2021

VÍTIMAS DO ANALFABETISMO POLÍTICO

Estima-se que o analfabetismo atinja 8,3% da população adulta brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se levarmos em conta o analfabetismo funcional, ou seja, a incapacidade de uma pessoa de compreender textos simples e de fazer operações matemáticas elementares, esse número alcança um em cada três brasileiros de acordo com o Instituto Paulo Montenegro. Um quadro estarrecedor, sem dúvida, mas que se torna ainda mais preocupante quando confrontado com os índices de analfabetismo político, insuficiência que atinge a sociedade de cima abaixo, independentemente de grau de instrução, classe social, etnia, religião ou sexo.

Há no excelente longa-metragem alemão Ele está de volta, que discute o renascimento do nazi-fascismo no mundo, particularmente na Europa, uma observação terrível. Revivido, Adolf Hitler passeia, pelas ruas da Alemanha contemporânea, satisfeito com o fato de que suas ideias nacionalistas, racistas, machistas, homofóbicas e autoritárias continuam a florescer entre a população, quando constata: “O povo está calado, mas com raiva. Frustrado com as condições de vida, como em 1930. Mas na época não havia um termo para isso: analfabetismo político”.

O analfabetismo político viceja onde falta consciência política – e consciência política é a relação vital que se estabelece entre mim e meu próximo. O analfabetismo político é o desinteresse manifestado pelos cidadãos para o rumo que a classe dirigente empurra a sociedade. Esse desinteresse se dá por ignorância ou por arrogância ou, pior ainda, por uma mescla de ignorância com arrogância. Nada pior para um país do que indivíduos que desdenham da política governados por políticos que desdenham dos indivíduos – este é o espaço privilegiado para a expansão da mentalidade fascista.

Certa vez o ex-senador Roberto Requião (PMDB-PR) afirmou em Plenário que o Brasil sofre com o analfabetismo político, como definido pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956). Segundo Requião, esse não é um problema dos cidadãos sem cultura. Pelo contrário, está presente nos três Poderes da República, no Ministério Público, no mundo acadêmico, na imprensa, nas igrejas e na alta sociedade.

Ao afirmar que o analfabeto político não consegue enxergar que as privatizações em curso no Brasil, na verdade, apenas entregam o patrimônio nacional para empresas controladas pelos governos de outros países, Requião citou poema de Brecht, para quem o pior analfabeto era o analfabeto político: "Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior dos bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais ou multinacionais".

O senador disse ainda que o combate à corrupção tem sido apenas um pretexto para submeter o Brasil à "globalização imperial". Para Requião, o analfabeto político não sabe o próprio custo de vida e, muito menos, que o preço dos alimentos e dos remédios depende das decisões políticas.

Requião também afirmou que este tipo de cidadão, o qual se orgulha declarar ódio à política, se encanta pelo discurso dos políticos que dizem não serem políticos. Na opinião do senador, o analfabeto político manifesta apoio aos famosos que se aventuram na política e a quem se apresenta como administrador, empresário de sucesso e gestor técnico, desde que pregue moralidade, ética e política sem partidos.

— O analfabeto político em sua ignorância impermeável, ceratinosa, está sempre alerta, eternamente vigilante para apoiar até mesmo um Luciano Huck, um Dória, um Bolsonaro ou quem duvida, talvez até um Alexandre Frota.

Uma população frustrada busca inimigos para extravasar sua cólera. E o inimigo é sempre o diferente de nós: os homossexuais, os negros, os imigrantes, os esquerdistas, enfim, qualquer grupo que em um determinado momento e contexto nos pareça fragilizado o suficiente para levar a culpa pela nossa incapacidade de gerir os próprios desejos. Assim, em silêncio e irrefletidamente, abraçamos discursos demagógicos, incitadores do ódio e da intolerância. A violência que grassa no país – nas ruas, dentro das casas, nas redes sociais – é apenas a face visível deste monstro subterrâneo chamado fascismo, fenômeno que se alimenta de analfabetos políticos.

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