(...) assiste, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro
postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força
que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Já enfatizei, em ante‑
riores decisões, que o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar
encontra suporte legitimador em princípios fundamentais, como os da dignidade da
pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da
intimidade e da busca da felicidade. Assume papel relevante, nesse contexto, o postulado
da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse prin‑
cípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte
que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que
traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem
republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo
(...). (...) A força normativa de que se acham impregnados os princípios constitucionais
e a intervenção decisiva representada pelo fortalecimento da jurisdição constitucional
exprimem aspectos de alto relevo que delineiam alguns dos elementos que compõem
o marco doutrinário que confere suporte teórico ao neoconstitucionalismo, em ordem
a permitir, numa perspectiva de implementação concretizadora, a plena realização, em
sua dimensão global, do próprio texto normativo da Constituição. Nesse contexto, o
postulado constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo
de que se irradia o princípio da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo
relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas
ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo,
esterilizar direitos e franquias individuais. (...) Vale mencionar o fato de que a busca da
felicidade foi também positivada, no plano normativo, nos textos da Constituição do
Japão de 1947 (art. 13), da Constituição da República Francesa de 1958 (Preâmbulo no
15
qual se faz remissão à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em que
se contém o reconhecimento desse direito fundamental) e da recente Constituição do
Reino do Butão de 2008 (Preâmbulo). Parece-me irrecusável, desse modo, considerado
o objetivo fundamental da República de “promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (CF, art.
3º, IV), que o reconhecimento do direito à busca da felicidade, enquanto ideia-força
que emana, diretamente, do postulado constitucional da dignidade da pessoa humana,
autoriza, presente o contexto em exame, o rompimento dos obstáculos que impedem
a pretendida qualificação da união civil homossexual como entidade familiar.
[RE 477.554 AgR, voto do rel. min. Celso de Mello, j. 16-8-2011, 2ª T, DJE de 26-8-2011.]
Legislação:
Constituição da República Federativa do Brasil/1988
Art. 1º, III e V – Art. 3º, IV – Art. 226, § 3º
Código Civil/2002
Art. 1.723
Constituição do Japão de 1947
Art. 13
Constituição da República Francesa de 1958
Preâmbulo
Princípios de Yogyakarta
Nenhum comentário:
Postar um comentário